sábado, 13 de abril de 2019

MEMÓRIAS


MEMÓRIAS
e-mail: ernidiomigliorini@gmail.com
O fluxo do tempo pode ser considerado: iniciando do passado em direção ao futuro; ou desde o futuro em direção ao passado. Em qualquer situação, o fluxo atravessa um ponto fugaz denominado presente. O presente é intangível, imaterial, porém é o único momento real que vivemos. O passado já foi e o futuro ainda não é! O passado se resume em memórias e o futuro em expectativas e perspectivas. Não há tempo sem um conceito de memória; não há presente sem um conceito do tempo; não há realidade sem memória e sem uma noção de presente, passado e futuro.
Memória é o nosso senso histórico e nosso senso de identidade pessoal. Eu sou quem sou, porque Eu me lembro quem sou. A memória é a conservação do passado através de imagens ou representações que podem ser evocadas mentalmente. As experiências pessoais que de alguma maneira se armazena no cérebro. A aquisição de memórias denomina-se aprendizado. As experiências são aqueles pontos intangíveis que chamamos presente. Não há memória sem aprendizado, nem há aprendizado sem experiências. Nada há no intelecto que não tenha estado antes nos sentidos. As memórias são fruto do que alguma vez percebemos ou sentimos. Os sonhos, que são em boa parte recombinações estranhas de memórias, provêm do que alguma vez sentimos ou percebemos. Os planos e projetos também.
A variedade e quantidade de experiências possíveis é enorme e a variedade de memórias possíveis é também enorme. Não é possível medir memórias em forma direta. Só é possível avaliá-las medindo o desempenho em testes de evocação. Nos animais, a evocação se expressa através de mudanças comportamentais; no homem, a evocação pode também ser medida através do reconhecimento de pessoas, palavras, lugares ou fatos. É evidente que a evocação de uma alteração comportamental implica num prévio reconhecimento, e que todo reconhecimento implica numa alteração comportamental real ou potencial.
O aprendizado e a memória são propriedades básicas do sistema nervoso; não existe atividade nervosa que não inclua ou não seja afetada de alguma forma pelo aprendizado e pela memória. Aprendemos a caminhar, pensar, amar, imaginar, criar, fazer atos-motores ou ideativos simples e complexos. A nossa existência depende de que nos lembremos de tudo isso. O aprendizado e a memória são atividade nervosa superior.
A redução da memória a modelos, sem referencia a processos nervosos assim como a sua redução a fenômenos puramente celulares, sem referência a processos cognitivos ou comportamentais, populares há alguns anos, tem hoje só interesse histórico Isto se deve a vários fatores. Um é o refinamento crescente das técnicas e dos conceitos neuropsicológicos que demonstraram que não é possível encaixar a enorme variedade de memórias possíveis dentro de um número limitado de esquemas ou modelos, nem reduzir seu alto grau de complexidade a mecanismos bioquímicos ou processos psicológicos únicos ou simples. Foi-se a época em que se julgava possível explicar todos os aprendizados ou memórias por meio de reflexos condicionados, ou por meio de uma certa e determinada alteração molecular ou estrutural. Um fator importante, na queda dos modelos que pretendiam analisar a memória ignorando o sistema nervoso, é a reiterada demonstração de que é possível afetá-la profundamente, em forma às vezes muito específica, tanto por lesões nervosas precisas e localizadas. Como por drogas ou substâncias endógenas cujo sítio e mecanismo de ação são conhecidos.
Os mecanismos do armazenamento das memórias são tão misteriosos dando ensejo a uma metáfora comparando a memória com a luz das estrelas. A memória como um estado do cérebro que persiste além da estimulação sensorial e é capaz de influenciar sua atividade subseqüente.
A variedade de memórias possíveis é tão grande, que é evidente que a capacidade de adquirir, armazenar e evocar informações é inerente a muitas áreas ou subsistemas cerebrais, e não é função exclusiva de nenhuma delas. É óbvio que diferentes sistemas sensoriais, associativos e motores participam em cada um destes aprendizados e nas correspondentes memórias. Usamos a via auditiva para aprender música, mas não para reconhecer um rosto; usamos o sistema-motor para aprender e evocar movimentos, mas não odores. Conseguimos evocar em contextos muito diferentes daqueles em que adquirimos cada informação. Aprendemos medicina nas aulas, rios livros, vendo preparados histológicos, ou estudando análises de sangue; evocamos essa informação junto a um paciente desconhecido, numa cama de hospital, ou ouvindo uma palestra em inglês, num país estrangeiro. Aprendemos tonotopias e podemos transpô-las, na evocação, a outros lugares da escala tonal. Podemos evocar a tonotopia na imaginação, com a voz, ou com um violino; utilizando neurônios totalmente distintos em cada caso. Não parece digna de crédito a noção de que todas as memórias sejam explicáveis por um único e determinado processo molecular ou biofísico, nem pela constituição de novas vias nervosas ou novas sinapses ou alterações permanentes da condutância iônica em tal ou qual dendrito. Cada via nervosa é diferente, do ponto de vista dos neurotransmissores envolvidos, de suas consequências biofísicas. É óbvio que algo aprendido usando determinada(s) via(s) pode ser evocado utilizando outras. Algumas memórias consistem na inibição de respostas naturais ou inatas; outras, num aumento dessas respostas ou na geração de respostas novas; outras que não envolvem nenhuma resposta direta ou aparente. Há pacientes com falhas globais de memória, e outros com distúrbios limitados a uma única modalidade sensorial, ou ao reconhecimento de animais, mas não de objetos. Determinadas pessoas possuem uma excelente memória para números e não para faces; ou vice-versa. Tudo isto indica que diferentes memórias utilizam diferentes vias e processos tanto para sua aquisição como para sua evocação.
Há certas estruturas e vias, o hipocampo, a amígdala, e suas conexões com o hipotálamo e o tálamo, que regulam a gravação e evocação de todas, de muitas, ou pelo menos da maioria das memórias. Este conjunto de estruturas constitui um sistema modulador que influi na decisão, pelo sistema nervoso, ante cada experiência, de que deve ser gravado e de que deve ou pode ser evocado. O hipocampo e a amígdala estão interligados entre si e recebem informação de todos os sistemas sensoriais: em parte provenientes do córtex, e, em parte, de forma inespecífica quanto à modalidade sensorial, desde a formação reticular mesencefálica. O hipocampo e a amígdala projetam ao hipotálamo, e, através deste, ao tálamo e, finalmente, ao córtex.
Há, talvez, tantos tipos de memória como tipos de experiência; não obstante, muitos as classificam de diversas formas. Ao classificar, reduzimos as coisas a nossa própria dimensão, não à dimensão que as coisas têm. Classificar é, de fato, uma operação que implica em esquecer: esquecer diferenças para sustentar semelhanças. Os orientais acham graça da tendência dos ocidentais em classificar coisas, e pôr um nome em tudo; será por isso, talvez, que em muitos lugares do Oriente não põem nome nem nas ruas.
Para entender a formação de memórias a partir de experiências, é preciso considerar quatro aspectos fundamentais:
->Recebemos informações constantemente, através de nossos sentidos; mas não memorizamos todas. Há, portanto, um processo de seleção prévio à formação de memórias, que determina quais informações serão armazenadas e quais não.
->As memórias não são gravadas na sua forma definitiva, e são muito mais sensíveis à facilitação ou inibição logo após sua aquisição que em qualquer outro período posterior.
->As memórias são também muito mais sensíveis à incorporação de informação adicional nos primeiros minutos ou horas após a aquisição.
->As memórias não consistem em itens isolados, senão em registros mais ou menos complexos. Não lembramos cada letra de cada palavra isoladamente; senão frases inteiras.
Os mecanismos que selecionam as informações que serão eventualmente armazenadas incluem o hipocampo e a amígdala. O hipocampo intervém no reconhecimento de determinado estímulo, configuração de estímulos, ambiente ou situação, se são novos ou não, e, portanto, se merecem ou não ser memorizados.  De fato, só reconhecemos que aprendemos algo quando se trata de algo novo; não de algo que já sabíamos. A amígdala participa dos processos de seleção como consequência de sua função moduladora da consolidação.
Podemos perceber muitos estímulos ao mesmo tempo, em diversas combinações; e podemos até formar várias memórias novas simultaneamente; algumas, porém, serão melhor consolidadas que outras. A consolidação é modulável. Os processos de modulação são importantes porque são muito melhor conhecidos que os sistemas de armazenamento ou evocação; e porque, de fato, a única forma disponível de afetar a memória quantitativamente, ou até qualitativamente, é através de variáveis que agem sobre os sistemas moduladores. As únicas bases biológicas da memória que conhecemos são, na verdade, as bases biológicas da modulação; e, embora não nos sirvam para entender como as memórias se armazenam, servem-nos para tratá-las quando se encontram diminuídas.
As memórias adquiridas em estado de alerta e com certa carga emocional ou afetiva são melhor lembradas que as memórias de fatos inexpressivos ou adquiridas em estado de sonolência. Os estados de alerta, afetivos e emocionais se acompanham da liberação de hormônios periféricos e neurotransmissores centrais. Várias dessas substâncias afetam a memória. Numerosos experimentos com drogas que liberam, mimetizam ou bloqueiam sua ação demonstraram que as mesmas não atuam durante a aquisição, senão no período imediatamente posterior, afetando a consolidação. Enquanto estão sendo consolidadas, ou ainda depois, as memórias podem incorporar informação adicional.
Doses ou concentrações sanguíneas elevadas de adrenalina, adrenocorticotrofina ou vasopressina no período posterior à aquisição, podem também inibir a evocação.
Além da incorporação de informação proveniente da influência de substâncias endógenas liberadas pelas próprias experiências, estas podem incorporar, depois de terem sido adquiridas, informação proveniente de outros aprendizados. As memórias não se adquirem isoladamente, senão uma após a outra: a existência diária pode ser descrita como uma continua experiência, ou como uma continuidade de experiências consecutivas. Muitas vezes, memórias adquiridas em forma consecutiva podem se interligar de tal maneira que, depois, o indivíduo as recorda como uma experiência única.
A incorporação de informação cognitiva às experiências ocorre fundamentalmente nas primeiras 3 horas após cada experiência, tanto no homem como em animais.
As memórias podem ser também modificadas, os registros podem ser ampliados posteriormente, às vezes anos depois. Uma nova experiência, ou evento, ou detalhe, acrescenta ou tira informação de uma memória velha. É possível que a evocação também altere as memórias. Há muita evidência disso. A memória, o registro que guardamos de determinado fato pode não ser a do fato em si, senão da terceira ou da vigésima vez que o evocamos.
O esquecimento é o aspecto mais saliente da memória: é muito mais o que esquecemos que o que recordamos. Vários fatores causam esquecimento. Um, clássico, é a extinção, ou perda geralmente gradativa de uma memória por sua evocação reiterada sem reforço; ou seja, sem aqueles componentes que a fizeram marcante quando adquirida: um choque elétrico no caso de um aprendizado aversivo, comida no caso de um aprendizado alimentício, a resposta no caso de um número telefônico, o pagamento no caso de um serviço prestado. A simples passagem do tempo é outro fator no esquecimento. Influi mais, claramente, quanto pior tenha sido a gravação original: é mais fácil esquecer um número telefônico de um cinema, aprendido ontem, que um fato marcante da infância. A interferência retrógrada é outro fator.

Os sonhos consistem na evocação desorganizada de memórias em combinações muito variadas e de diferente grau de complexidade, geralmente incluindo interações entre memórias muito antigas e muito recentes, e entre ambas e o estado anímico e o emocional do sujeito, antes ou durante o sono. Não se conhecem os mecanismos da evocação utilizados nos sonhos; é provável que incluam fatores neuro-humorais e hormonais e, ao mesmo tempo, estímulos externos eventualmente percebidos durante o sono. .
Amnésia é a perda de memórias preexistentes (amnésia retrógrada), ou a incapacidade de formar memórias novas (amnésia anterógrada). A perda total de memórias, anterógrada e retrógrada, se denomina amnésia global, esta é, geralmente, transitória e reversível, e se observa após grandes traumatismos cranianos ou acidentes vasculares cerebrais com edema cerebral. A lesão bilateral da amígdala e do hipocampo provoca amnésia anterógrada pura, explicável pela supressão do principal núcleo modulador e do principal mecanismo seletor, respectivamente.  A amnésia retrógrada ocorre quase que invariavelmente associada com outros múltiplos déficits cognitivos.
“Nenhum dia é igual ao outro. A multiplicidade, a variedade e a diversidade, pela própria essência energética superior, estão sempre se impondo sobre a unicidade! (EM).)”



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